O apoio imediato de governadores de direita ao colega do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), após a operação policial na capital fluminense que deixou mais de 120 mortos, não disfarçou o interesse eleitoral em relação à segurança pública. E mostra que a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva não encontrará um ambiente receptivo para tocar as propostas de modernização legal e institucional das políticas de segurança pública do país. Ao contrário, depois da megaoperação, direita e esquerda passaram a buscar a liderança desse debate. Ontem, ministros do Executivo rebateram as críticas dos governadores e os acusaram de fazer da crise um palanque eleitoral.
A politização do debate pode prejudicar o avanço de projetos que, no entendimento de especialistas na questão da violência urbana, são fundamentais para a criação de um sistema que integre as ações dos estados com a estrutura do governo federal. O principal é a chamada PEC da Segurança, que tramita no Congresso. A proposta visa incluir o Sistema Unificado de Segurança Pública (Susp) na Constituição, assegurando uma estrutura legal definitiva. Para o governo, medida fundamental no sentido de integrar o trabalho das forças de segurança estaduais e municipais às forças federais.
Após a reunião de Castro com os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); de Goiás, Ronaldo Caiado (UB); de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (Progressistas); e Jorginho Melo (SC); e da vice-governadora do DF, Celina Leão (Progressistas), além de Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, na noite de quinta-feira, no Palácio Guanabara, o tom das críticas ao governo federal foi elevado a ponto de não se disfarçar o interesse no voto do eleitor no ano que vem. Ao anunciar a criação de um “consórcio da paz” entre os estados, os governantes deixaram subentendido que o governo federal não será incluído. E tentaram puxar para o lado da direita o papel de coordenar a integração das forças policiais dos estados, uma medida apontada como fundamental pelos estudiosos do problema da violência urbana e do avanço do crime organizado.
Ao fim da reunião, Ronaldo Caiado e Romeu Zema, ambos pré-candidatos à Presidência da República em 2026, não pouparam o governo Lula de críticas. O tom foi de confronto e de resgate do “nós contra eles”, com apoio ao discurso de Castro de que o Rio de Janeiro não recebeu atenção das áreas federais que cuidam de segurança. “O desinteresse (do governo federal) é total em dar apoio ao Rio de Janeiro. E não interessa essa pauta a eles, porque eles são complacentes (com o crime)”, frisou Caiado.
Ministros do governo reagiram à ofensiva dos governadores. O titular da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, chamou a iniciativa anunciada pelos gestores de “consórcio antipatriótico”. “Governadores de extrema-direita se reuniram para atacar o governo federal e defender a posição de (Donald) Trump, que qualifica o narcotráfico como terrorismo. Não é uma definição ingênua: é a base retórica que os EUA têm usado para justificar intervenção armada na América Latina”, disparou, no X. Na avaliação dele, os governadores têm o intuito de “usar a crise do Rio de Janeiro para fazer demagogia eleitoral”.
A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, também criticou. Ela disse que o grupo de governadores “investe na divisão política”. “Segurança pública é uma questão muito importante, que não pode ser tratada com leviandade e objetivos eleitoreiros. Combater o crime exige inteligência, planejamento e soma de esforços”, ressaltou no X.
O professor da Universidade de Brasília e especialista em segurança pública Antônio Flávio Testa ressalta que “o pacto federativo atribui a segurança aos estados, aos governadores”. “Só que a maior parte dos recursos vem do governo federal. Mas nunca houve nenhum governo federal com interesse em administrar um plano estratégico de integração nacional. O discurso só vem quando acontece uma tragédia”, afirma. Ele não tem dúvida de que esse será um dos assuntos mais explorados pelos candidatos nas próximas eleições.
A pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Jacqueline Muniz concorda com a necessidade de uma repactuação federativa para a área da segurança pública, com a readequação dos papéis das instituições e das corporações no combate à violência. Mas critica a atual PEC da Segurança, por não mexer no que ela chama de “monopólio do poder de polícia”, referindo-se às corporações estaduais, com grande poder de pressão sobre os governadores. “Você não pode ter na Constituição o monopólio das polícias. O que você põe na Constituição é a competência dos entes federados. Aqui, são as polícias que comandam os governantes.”