Ao decidir aceitar a nota de três edições do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) para o Sistema de Seleção Unificado (Sisu), medida que gerou resistência entre estudantes, o Ministério da Educação (MEC) adotou uma estratégia de acesso ao ensino superior que é rara em “vestibulares” pelo mundo. A novidade valerá já para a próxima edição do programa, que abrirá inscrições em 17 de janeiro.
Entre os países que possuem modelos próprios de admissão para a graduação, poucos empregam regras semelhantes. A exceção, considerando as nações de mais peso, fica por conta de Estados Unidos, Portugal e Chile, cada qual com seu próprio formato. Na América Latina, enquanto a Argentina e o Uruguai não têm vestibular, o Paraguai e o México possuem provas de ingresso, mas só aceitam o resultado do ano corrente, tal qual ocorria no Brasil até então.
Com diferentes sistemas de acesso ao ensino superior, França, Reino Unido, Itália e Alemanha possuem processos seletivos descentralizados — em geral, cada instituição ou curso conta com normas diferentes. Na maior parte das vezes, porém, elas também optam por considerar uma única nota, ao contrário do que fez o MEC. No Japão, na Coreia do Sul e na China, onde há provas centrais, tampouco são aceitos resultados antigos.
Os jovens chineses encaram um processo bastante parecido ao brasileiro. Os alunos do país asiático passam pelo “Gaokao”, popularmente conhecido como “o maior vestibular do mundo”. Trata-se de uma prova centralizada realizada só uma vez no ano, tal qual o Enem. Depois, as vagas são distribuídas por um sistema unificado de seleção, da mesma forma com que acontece no Sisu, mas a nota do Gaokao vale apenas para o ano em que o estudante realizou o exame.
Segundo o estatístico Frederico Torres, mestre pela Universidade de Brasília (UnB) que acompanha o Sisu todo ano por ser criador de um curso de matemática, a tendência é que carreiras de baixa concorrência não sejam tão afetadas pela mudança. Aquelas mais visadas, porém, devem ficar mais concorridas — caso da Medicina. Ele teme uma alta na evasão de alunos aprovados em cursos que não eram seus preferidos, que podem tentar de novo no outro ano.
— Candidatos que já se alocaram vão ter uma oportunidade de arriscar um pouco mais e tentar entrar num curso que talvez fosse o que ele desejava, mas que achava que não tinha nota necessária — diz o especialista.
Entre os estudantes, há duas frentes de desconfiança. Na primeira delas, jovens que estão concluindo o ensino médio e vão fazer o Enem pela primeira vez alegam que estarão em desvantagem diante dos que poderão utilizar mais de uma nota. Na outra, sustentam que a dificuldade da avaliação varia a cada edição, o que poderia tornar o método adotado potencialmente injusto.
Em nota, o MEC argumenta que a medida amplia a probabilidade de preenchimento das vagas ofertadas. A pasta admite que “pode haver variação nas notas de corte”, mas alega que mantém o “princípio da isonomia entre todos os participantes”.
**QUEM ADOTA**
Nos Estados Unidos, uma das provas que é aceita pelas universidades é a Scholastic Assessment Test (SAT), aplicada oito vezes ao ano. Ao postular o acesso, os estudantes podem usar a sua maior nota daquele ano ou de edições anteriores. No entanto, a página de admissão de Harvard, uma das mais importantes instituições de ensino superior no mundo, alerta que “a experiência geral indica que fazer os testes mais de duas vezes oferece resultados cada vez menores”. Além disso, essa nota é apenas um de vários aspectos considerados durante o processo de seleção.
— Além da nota padronizada, o candidato precisa mandar as notas do ensino médio, uma carta de recomendação, prêmios que recebeu, os projetos extracurriculares que já participou e uma carta falando da própria trajetória — enumera Keyla Cavalcante Carvalho, coordenadora do Prep Program da Fundação Estudar, que ajuda alunos brasileiros a estudarem no exterior.
Ou seja, se o Enem faz um ranking de melhores notas, o SAT funciona mais como um elemento indicativo de que o candidato possui uma série de conhecimentos.
— Não necessariamente os que têm as maiores notas do SAT irão passar. A maioria costuma fazer três vezes. Conseguir uma pontuação competitiva na primeira é bem difícil, mas tentar muitas vezes pega mal para as universidades — alerta Carvalho.
Em Portugal, os estudantes que estão se formando no ensino médio precisam fazer três provas obrigatórias: uma de Português e outras duas das disciplinas que escolherem. Essas notas são utilizadas na seleção do ensino superior por pelo menos cinco anos. Se o candidato quiser tentar melhorar o desempenho, pode repetir o teste.
No Chile, o modelo é parecido ao de Portugal. Os estudantes que terminam o ensino médio realizam a Prova de Acesso à Educação Superior (Pães), cuja nota serve para o aluno concluir o último ano escolar e também para concorrer às vagas de forma centralizada — assim como no Sisu com o Enem. No país vizinho, o aluno pode usar essa nota para concorrer por até três anos ou realizar o Pães novamente para aumentar a média. No entanto, o exame não é o único critério considerado para a seleção das vagas. O Pães tem um peso de 70% a 80% no resultado final, e o restante da pontuação vem do desempenho anual no ensino médio.
**ENTENDA COMO FICA**
A mudança, anunciada em 24 de outubro, já vale para o Sisu 2026, quando concorrerão alunos que acabaram de realizar o Enem — e, a partir de agora, também os que participaram das edições de 2023 e 2024. A cada ano, poderão ser usadas as notas das três edições mais recentes do exame.
Assim, todos os formados ou que estavam no terceiro ano do ensino médio em 2023 e 2024 poderão usar essas notas no Sisu 2026. Quem já foi aprovado numa universidade nesse período ou quem não estava inscrito no Enem 2025 também poderá tentar as vagas durante o processo de seleção, em janeiro. Somente as notas obtidas como treineiros — alunos ainda não formados que vão para testar o exame — são vetadas.
Como cada instituição de ensino e curso define um peso para cada prova do Enem (Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Linguagens e Redação), o Sisu escolherá a melhor opção de nota com base nesses critérios. Esse será um processo automatizado, e o estudante não precisará definir qual a melhor média para conseguir uma vaga no curso pelo qual optar.