A transição para uma economia de baixo carbono só será viável se for economicamente razoável — e o comércio internacional pode ser a peça que falta para destravar esse processo, por possibilitar a realocação da produção intensiva em energia para regiões com recursos renováveis e custos mais baixos, como o Brasil. Esta é a proposta central de um estudo inédito do economista Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB), que será apresentado na COP30, nesta terça-feira (11), em Belém, no Pará.
Em vez de tratar o comércio como um entrave à descarbonização — pela lógica tradicional do “vazamento de carbono” —, o estudo sugere que o livre comércio de produtos verdes pode ser um catalisador para acelerar a transição energética, reduzir custos e redistribuir investimentos de forma mais eficiente.
“Precisamos colocar o comércio na mesa como ferramenta de descarbonização (...). Esse processo só para em pé se for razoável do ponto de vista do negócio”, defende o professor, que também foi vice-presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e é colunista do *Valor*.
Seria uma espécie de “nova geografia da competitividade energética”, criada a partir da arbitragem de carbono — convertendo o comércio em um instrumento climático eficiente “que transforma a transição energética de um fardo fiscal em uma oportunidade para o crescimento sustentável e a industrialização”, defende o estudo.
A aplicação da arbitragem de carbono — ideia segundo a qual transferir a produção de regiões com alta emissão para regiões com energia limpa gera uma redução líquida de emissões globais, resultando em ganho climático e econômico simultâneo — é um dos pontos centrais do estudo conduzido pelo economista. Arbache sugere uma “liberalização global de produtos verdes”, o que reduziria a inflação verde dos países desenvolvidos — inflada pelos subsídios públicos atuais. O paradoxo, segundo ele, é que o mundo busca trilhões de dólares para descarbonizar, enquanto países como o Brasil oferecem energia limpa em escala.
É o que se classifica como Vantagem Comparativa Verde (*Green Comparative Advantage*, GCA), que reconhece a sustentabilidade como novo eixo de competitividade global. Junto com o *powershoring*, conceito cunhado pelo próprio Arbache em 2022 — que defende a localização de indústrias intensivas em energia em regiões com abundância de recursos renováveis e seguros —, pode-se gerar sinergias econômicas e climáticas.
Ao deslocar a produção de países de alta emissão para nações com energia limpa — como o Brasil —, o mundo conseguiria reduzir drasticamente o custo e o tempo da transição. De um lado, as economias desenvolvidas podem assumir os custos de transição por meio do *powershoring* e de importações estratégicas. Do outro, as economias emergentes podem equilibrar o desenvolvimento da capacidade doméstica com o comércio internacional.
De acordo com o professor da UnB, entre alguns exemplos eficientes está o da Islândia, que é líder em prêmios verdes — custo adicional por escolher uma tecnologia que tenha como principal vantagem a sustentabilidade. Já o Brasil, com uma vantagem temporal de 18 a 30 anos, detém uma oportunidade única de liderança industrial em setores verdes.
“O Brasil já opera o que China, Estados Unidos e União Europeia levarão décadas e trilhões de dólares para alcançar: uma matriz elétrica com cerca de 90% de renováveis”, calcula o professor. Segundo ele, a capacidade de operação brasileira, além de ser estável e limpa, oferece vantagem de 18 a 30 anos em relação a países como a China (cerca de 35% de energia renovável), os EUA (24%) e a União Europeia (47%), todos ainda fortemente dependentes de térmicas, ressalta Arbache.
Para alcançar cerca de 90% de renováveis, a China teria de investir cerca de US$ 3,2 trilhões nos próximos 20 a 25 anos — o equivalente a 0,9% do PIB anual, exemplifica o professor. Na mesma perspectiva, os EUA precisariam desembolsar US$ 2,3 trilhões em 25 a 30 anos, e a UE, US$ 1,2 trilhão em até 22 anos. Segundo Arbache, esses valores podem ser ainda maiores se considerados custos de redes, armazenamento, descomissionamento e programas sociais.
Por isso, o economista acredita que as vantagens competitivas do Brasil estão subvalorizadas. O país reúne uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, alta disponibilidade de energia renovável e capacidade produtiva em biocombustíveis e produtos de baixo carbono.
“Essas diferenças criam uma arbitragem global de carbono monumental: ao deslocar a produção de setores intensivos em energia para o Brasil e outros países renováveis, o mundo reduziria emissões e custos simultaneamente. Trata-se de uma oportunidade com ganhos econômicos, sociais, corporativos e ambientais sem precedentes — um novo paradigma de competitividade baseado em eficiência climática”, defende Arbache.
Segundo o economista, o protecionismo exacerbado — por meio de barreiras tarifárias e não tarifárias — impede que produtos de baixo carbono possam competir em igualdade de condições. “Há uma distorção global: países com alto subsídio verde e matriz energética suja bloqueiam produtos mais limpos vindos de países emergentes. Isso atrasa a transição e encarece o custo global da descarbonização”, afirma.
O professor da UnB defende um esforço global para identificar inventários de emissões e estimular uma competitividade baseada em métricas claras por meio de “contabilidade do carbono”, tradução do conceito de *carbon accountability*, que significa quantificar e assumir a responsabilidade pelas emissões de gases de efeito estufa (GEE) geradas na operação direta de uma empresa ou entidade, na compra de energia e ao longo de sua cadeia de valor.
Os dados coletados serviriam de base para estratégias de redução e transparência sobre o impacto climático, além de ajudar na revisão de metas. “Hoje não há *carbon accountability*. O que existe são múltiplas taxonomias criadas para proteger mercados. Se houvesse um padrão global claro, haveria uma realocação maciça de capital e inovação para regiões mais limpas”, afirma.
Ele acrescenta que o Brasil, como uma das lideranças energéticas globais, precisa acelerar a contagem e certificação de carbono. Com tanta energia renovável à disposição, o país ainda precisa se abrir mais ao comércio para ampliar sua competitividade — e a COP pode ser a alavanca para isso. “Só vamos acelerar a descarbonização em nível global se baixarmos o custo dela. É assim que o capital será alocado onde estiverem as melhores condições”, salienta.